terça-feira, 25 de maio de 2021

Canção de Boas-Vindas









Eis sua família, sua mãe, seus pais, seus avós.
Bem-vindo a esse sangue, esses ossos.
Por que você perdeu a voz?

Eis sua comida, eis sua bebida, eis o jantar.
E uns pensamentos, se quiser pensar.
Bem-vindo ao lar.

Eis sua estrada da vida quase virgem,
Bem-vindo a ela, a essa miragem.
Mesmo assim, boa viagem.

Eis seu aluguel, eis seu pagamento.
O dinheiro é o quinto elemento.
Bem-vindo ao investimento.

Eis sua colmeia, o enxame, multidões.
Bem-vindo a tantas populações:
Você é um em cinco bilhões.

Bem-vindo à lista telefônica onde reluz seu nome.
Numa democracia, um dígito é um homem.
Bem-vindo à busca de renome.

Eis seu casamento, e eis um divórcio todo seu.
E agora os erros irreversíveis que cometeu.
Bem-vindo, você se fodeu.

Eis você com a lâmina junto à jugular.
Bem-vindo, autoterrorista singular,
Ao seu Oriente Médio particular.

Eis seu espelho, eis sua pasta de dentes.
Eis o polvo no seu sonho recorrente.
É seu esse grito de demente?

Eis o sofá, a TV, o debate sobre a crise.
Eis seu candidato falando cretinice.
Bem-vindo ao que ele disse.

Eis sua varanda, o carro que passa apressado.
Eis seu cachorro cagando na sala, folgado.
Bem-vindo ao seu olhar culpado.

Eis as cigarras e eis um pássaro piando à tarde.
A lágrima que pinga no seu chá pela metade.
Bem-vindo à eternidade.

Eis sua radiografia com uma mancha no pulmão.
Bem-vindos os comprimidos para o coração.
Bem-vindo seja você à oração.

Eis sua tumba, o cemitério que se estende além.
Bem-vindas as vozes que dizem “Amém”.
É o fim para você também.

Eis seu testamento, mas ninguém o lê.
Eis sua missa, mas rezar quem há de?
Eis a vida sem você.

E eis as estrelas que não estão nem aí
Pra você ter ou não estado aqui.
Meu velho, é isso aí.

Eis que não sobrou nada do seu passo.
Da sua face não ficou traço.
Bem-vindo ao espaço.




[Joseph Brodsky]