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sábado, 27 de julho de 2024

CONVENTO DOS CAETANOS, 2018

 CONVENTO DOS CAETANOS, 2018


Às vezes

acontece o passado

entrar em obras,

ter de se mudar.


Corre-se a luz,

cobre-se o som;

e saem primeiro todas as caixas

(onde nunca cabe

a poeira que aconchega

o nosso mundo),

como um carrilhão amordaçado

a atravessar a cidade.


Ficam apenas as paredes,

frágil caixa de ressonância

da memória.


[Inês Dias]

Cerveja & Neve, Averno, Lisboa, 2020.

 Um nó cego no bordado

da manhã. E a ternura

interrompida pelo desfazer

dos dias até esse olhar

depois de tudo,

onde aguardava,

cauda de fora, a morte:


passar sob a pele

(uma dor mais antiga)

a linha que já

não nos prende,

cortá-la com o último beijo,

rematar um coração

cada vez mais do avesso.


[Inês Dias]

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019


RESTAURAÇÃO

Risquei o último fósforo
e estou agora vazia,
não esperando sequer
o deserto. Posso de novo
sublinhar os livros
sem pensar noutros olhos,
numa vontade que não coincida;
como quem se despe
de portas abertas, luzes acesas,
buracos na roupa,
indiferente ao desejo
de vizinhos e espelhos.

Sou finalmente o único fantasma
da minha vida inteira.


[Inês Dias, in "Um raio ardente e paredes frias"]